Dra. Letícia Queiroz – Endocrinologia e Pediátrica no Rio de Janeiro – RJ

Nos últimos anos tem existido um aumento da resistência insulínica e diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes devido ao aumento da prevalência de obesidade, alimentação inadequada e sedentarismo. Neste artigo vou falar um pouco mais sobre o diabetes tipo 2, quando suspeitar do diagnóstico, qual profissional buscar e sobre tratamento.

Sumário

O que é Diabetes Mellitus Tipo 2 e resistência insulínica?

Sinais e sintomas: o que observar?

Como confirmar a suspeita de diabetes tipo 2 ou resistência insulínica?

Tratamento da resistência insulínica e diabetes tipo 2

O que é Diabetes Mellitus Tipo 2 e resistência insulínica?

Anteriormente considerada uma condição predominantemente de adultos, esta forma de diabetes está se tornando cada vez mais comum em faixas etárias mais jovens, um reflexo direto de mudanças em nossos estilos de vida, especialmente relacionadas à alimentação e atividade física.

Quem é a Dra Letícia Queiroz?

Sou médica endocrinologista pediátrica atuante no Rio de Janeiro- RJ.

Fiz a faculdade de Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), residência médica em pediatria no Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ e residência médica em endocrinologia pediátrica no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), além de mestrado acadêmico em Medicina com estudo na área de Obesidade Infantil mais uma vez pela UERJ. Acredito que ser também pediatra me dá uma visão e um entendimento mais completos da criança e do adolescente. Busco sempre um atendimento empático e acolhedor, entendendo que cada paciente e cada família são únicos e precisam de um olhar individualizado.

O que os pacientes falam da Dra Letícia Queiroz

Para entendermos o diabetes tipo 2 (DM2) na infância e adolescência, primeiro precisamos falar sobre a insulina. A insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas, uma glândula localizada atrás do estômago.

Sua principal função é como uma “chave” que permite que a glicose (o açúcar que obtemos dos alimentos e que é a principal fonte de energia do nosso corpo) entre nas células. Sem insulina, ou se ela não funciona corretamente, a glicose se acumula no sangue em vez de ser usada como energia.

No diabetes mellitus tipo 2, o problema central geralmente envolve duas questões principais que podem ocorrer em conjunto:

  • Resistência à insulina: As células do corpo (especialmente dos músculos, fígado e tecido adiposo) tornam-se resistentes à ação da insulina. É como se a “fechadura” da célula estivesse enferrujada, e a “chave” (insulina) não conseguisse abrir a porta para a glicose entrar.

O pâncreas, percebendo que a glicose não está entrando nas células, tenta compensar produzindo ainda mais insulina. Por um tempo, essa produção extra pode manter os níveis de glicose no sangue sob controle, mas, com o tempo, o pâncreas pode não conseguir mais dar conta dessa demanda aumentada.

  • Deficiência relativa na produção de insulina: Com o passar do tempo, especialmente se a resistência à insulina for muito grande e persistente, as células beta do pâncreas (responsáveis pela produção de insulina) podem ficar “cansadas” e começar a falhar, não conseguindo mais produzir insulina em quantidade suficiente para vencer a resistência e manter os níveis de glicose normais.

A resistência insulínica é, portanto, um estado metabólico precursor ou um componente chave do DM2.

Muitas crianças e adolescentes com excesso de peso, especialmente com acúmulo de gordura na região abdominal, já apresentam resistência insulínica mesmo antes de desenvolverem o diabetes propriamente dito.

Essa resistência está fortemente ligada ao estilo de vida, incluindo dieta inadequada (rica em açúcares, gorduras saturadas e alimentos ultraprocessados) e sedentarismo.

É fundamental distinguir o DM2 do diabetes tipo 1 (DM1), que é mais comum na infância.

No DM1, o problema é uma destruição autoimune das células beta do pâncreas, levando a uma deficiência absoluta de insulina desde o início.

Já no DM2, a produção de insulina pode estar normal ou até aumentada nas fases iniciais, mas sua ação está prejudicada pela resistência.

É importante ressaltar que o DM2 em jovens traz consigo o risco de desenvolvimento precoce de complicações crônicas que antes eram vistas apenas em adultos com muitos anos de doença, como problemas renais, oculares, neurológicos e cardiovasculares.

Sinais e sintomas: o que observar?

Identificar os sinais e sintomas do diabetes tipo 2 e da resistência insulínica em crianças e adolescentes pode ser um desafio, pois muitas vezes eles são sutis ou se desenvolvem gradualmente.

No entanto, estar atento a certas mudanças pode levar a um diagnóstico precoce e a um manejo mais eficaz.

Diferentemente do diabetes tipo 1, onde os sintomas costumam ser mais abruptos e intensos, no tipo 2, a progressão pode ser mais lenta.

Sintomas clássicos de hiperglicemia (açúcar elevado no sangue):

  • Acantose nigricans: Esta é uma manifestação cutânea comum da resistência insulínica. Caracteriza-se por manchas escuras, espessas e aveludadas na pele, geralmente em dobras como pescoço, axilas e virilha. É um sinal importante que deve levar à investigação de resistência insulínica e diabetes tipo 2.

  • Aumento da frequência urinária: A criança pode começar a urinar mais vezes do que o habitual, inclusive acordando à noite para ir ao banheiro.

  • Sede excessiva: Como consequência da perda de líquidos pela urina, a criança pode sentir uma sede constante e beber mais água do que o normal.

  • Fome excessiva: Apesar de ter muita glicose no sangue, as células não conseguem utilizá-la adequadamente como energia devido à resistência à insulina. Isso pode levar a uma sensação persistente de fome.

  • Perda de peso inexplicada: Mesmo comendo mais, a criança pode perder peso. Isso acontece porque o corpo, sem conseguir usar a glicose para energia, começa a quebrar gorduras e músculos.

  • Fadiga e fraqueza: A falta de energia nas células pode resultar em cansaço excessivo, falta de disposição para brincar ou realizar atividades cotidianas.

  • Cicatrização lenta de feridas: A alta glicose no sangue pode prejudicar a circulação e a capacidade do corpo de reparar tecidos.

É crucial notar que, em muitos casos, o diabetes tipo 2 em crianças e adolescentes pode ser assintomático nas fases iniciais, ou os sintomas podem ser tão leves que passam despercebidos. Por isso, a triagem em crianças com fatores de risco (como obesidade ou histórico familiar de diabetes) é fundamental.

Como confirmar a suspeita de diabetes tipo 2 ou resistência insulínica?

Se houver suspeita de diabetes tipo 2 ou resistência insulínica, baseada nos sinais e sintomas ou em fatores de risco (como obesidade e histórico familiar), o médico solicitará alguns exames de sangue para confirmar o diagnóstico.

Os principais exames utilizados incluem:

  • Glicemia de Jejum: Este é um dos testes mais comuns. A criança ou adolescente precisa estar em jejum por cerca 8 horas (geralmente durante a noite) antes da coleta de sangue.

  • Hemoglobina glicada (A1c): Este exame reflete a média dos níveis de glicose no sangue nos últimos 2 a 3 meses. Ele não requer jejum.

  • Teste oral de tolerância à glicose (TOTG): Este teste é frequentemente utilizado quando há dúvidas diagnósticas ou para avaliar a resistência insulínica de forma mais detalhada. A criança ingere uma quantidade padronizada de glicose após um jejum de 8 horas, e amostras de sangue são coletadas antes da ingestão e 2h após a ingestão de glicose.

  • Glicemia casual (ou aleatória): Em crianças com sintomas clássicos de diabetes (muita sede, muita urina, perda de peso), uma glicemia colhida a qualquer hora do dia, independentemente da última refeição, com valor igual ou superior a 200 mg/ dL, também pode diagnosticar o diabetes.

Já resistência insulínica em si não é uma doença, mas uma condição que aumenta o risco de diabetes tipo 2 e outras doenças. O médico pode suspeitar de resistência insulínica por exemplo diante da presença de acantose nigricans.

O diagnóstico precoce é fundamental. Quanto antes o diabetes tipo 2 ou a resistência insulínica forem identificados, mais cedo as intervenções podem ser iniciadas, o que melhora significativamente o prognóstico e ajuda a prevenir ou retardar o aparecimento de complicações a longo prazo.

Tratamento da resistência insulínica e diabetes tipo 2

O tratamento do diabetes tipo 2 e da resistência insulínica em crianças e adolescentes é um processo contínuo que visa controlar os níveis de glicose no sangue, prevenir complicações agudas e crônicas, e promover uma boa qualidade de vida.

A abordagem é sempre multidisciplinar, envolvendo não apenas o médico endocrinologista pediátrico, mas também nutricionista, educador físico, psicólogo e, fundamentalmente, a família.

  • Mudanças no estilo de vida: Este é o pilar fundamental e, muitas vezes, o mais desafiador.

Envolve:

Alimentação saudável: O foco é em aumentar o consumo de frutas, verduras, legumes, grãos integrais e proteínas magras, enquanto se reduz a ingestão de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares adicionados, gorduras saturadas e trans.

O acompanhamento com um nutricionista é essencial para elaborar um plano alimentar individualizado, que respeite as preferências da criança e do adolescente, mas que atenda às suas necessidades nutricionais e metabólicas.

Atividade física regular: A prática regular de exercícios físicos é crucial para melhorar a sensibilidade à insulina (ajudando o corpo a usar melhor a glicose), controlar o peso, fortalecer músculos e ossos, e melhorar o bem-estar geral. Recomenda-se pelo menos 60 minutos de atividade física moderada a vigorosa na maioria dos dias da semana.

Controle do estresse e sono adequado: O estresse crônico e a privação de sono podem afetar negativamente o controle glicêmico. É importante garantir um ambiente tranquilo e rotinas que promovam um sono reparador, além de estratégias para lidar com o estresse.

  • Monitoramento da glicemia: Acompanhar os níveis de glicose no sangue é essencial para avaliar a eficácia do tratamento e fazer ajustes quando necessário.

  • Acompanhamento Multidisciplinar: Uma equipe de saúde é fundamental para o sucesso do tratamento.

Além do endocrinologista pediátrico, outros profissionais desempenham papéis importantes, como o nutricionista, o educador físico e o psicólogo.

  • Tratamento medicamentoso: prescrito nos casos de diabetes tipo 2 em associação aos tratamentos acima.

A boa notícia é que o diabetes tipo 2 é, em grande parte, uma doença prevenível, especialmente quando as intervenções começam cedo na vida. A prevenção foca nos mesmos pilares do tratamento.

O diabetes tipo 2 e a resistência insulínica em crianças e adolescentes representam um desafio crescente para a saúde pública. No entanto, com informação, diagnóstico precoce, tratamento adequado e, acima de tudo, um forte enfoque na prevenção através de hábitos de vida saudáveis, podemos mudar esse cenário.

O papel da família e da sociedade é fundamental para apoiar nossos jovens na adoção de um estilo de vida que promova saúde e bem-estar, garantindo um futuro mais saudável para as próximas gerações.

Se você suspeita que seu filho (a) possa estar com alterações de glicose ou resistência insulínica, posso auxiliar no diagnóstico e tratamento.

Referências: Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)

                            American Diabetes Association (ADA)

                            International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes (ISPAD)

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