Crianças e adolescentes também podem ter alterações na glândula tireoide. Neste artigo abordarei as principais doenças tireoidianas com orientações de quando suspeitar da presença delas e o que fazer diante desta suspeita.
Sumário
O que é a tireoide?
Hipotireoidismo na infância e adolescência: quando a tireoide trabalha menos
Como identificar o hipotireoidismo?
Tratamento do hipotireoidismo
Hipertireoidismo na infância e adolescência: quando a tireoide trabalha demais
Como identificar o hipertireoidismo?
Tratamento do hipertireoidismo
O que é a tireoide?
A tireoide, um pequeno órgão em formato de borboleta localizado na parte anterior do pescoço, desempenha um papel monumental na saúde e no bem-estar especialmente durante a infância e a adolescência.
Ela produz hormônios que se relacionam ao desenvolvimento cerebral nos primeiros anos de vida, assim como ao controle do crescimento, do gasto energético, da frequência cardíaca e até mesmo do humor.
Durante a infância, um funcionamento adequado da tireoide é crítico para o crescimento físico e o desenvolvimento neurológico. Deficiências ou excessos na produção hormonal podem ter consequências significativas e duradouras se não identificados e tratados precocemente.
Quem é a Dra Letícia Queiroz?
Sou médica endocrinologista pediátrica atuante no Rio de Janeiro- RJ.
Fiz a faculdade de Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), residência médica em pediatria no Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ e residência médica em endocrinologia pediátrica no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), além de mestrado acadêmico em Medicina com estudo na área de Obesidade Infantil mais uma vez pela UERJ. Acredito que ser também pediatra me dá uma visão e um entendimento mais completos da criança e do adolescente. Busco sempre um atendimento empático e acolhedor, entendendo que cada paciente e cada família são únicos e precisam de um olhar individualizado.
O que os pacientes falam da Dra Letícia Queiroz
Hipotireoidismo na infância e adolescência: quando a tireoide trabalha menos
O hipotireoidismo é uma condição em que a glândula tireoide não produz hormônios tireoidianos em quantidade suficiente para as necessidades do corpo.
Essa deficiência hormonal pode desacelerar diversas funções metabólicas, impactando o crescimento, o desenvolvimento e o bem-estar geral da criança ou adolescente.
O hipotireoidismo pode se manifestar de duas formas principais em crianças e adolescentes: congênito (presente desde o nascimento) ou adquirido (desenvolvido mais tardiamente).
Hipotireoidismo congênito: Esta é a forma mais comum de disfunção tireoidiana grave em recém-nascidos e uma das principais causas evitáveis de retardo mental.
No Brasil, a incidência do hipotireoidismo congênito é de aproximadamente 1 caso para cada 2.500 a 4.000 nascidos vivos, uma taxa similar à observada em muitos outros países. Graças aos programas de triagem neonatal, como o “teste do pezinho”, a maioria dos casos é diagnosticada precocemente, permitindo o início imediato do tratamento e prevenindo sequelas neurológicas graves.
Hipotireoidismo adquirido: Esta forma se desenvolve após o período neonatal, podendo surgir em qualquer fase da infância ou adolescência.
A causa mais comum de hipotireoidismo adquirido em crianças e adolescentes em áreas com suficiência de iodo é a Tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune na qual o sistema imunológico do próprio corpo ataca a glândula tireoide, levando a uma inflamação crônica e à gradual destruição do tecido tireoidiano.
A prevalência da Tireoidite de Hashimoto aumenta com a idade, sendo mais comum em adolescentes do que em crianças pequenas, e afeta mais meninas do que meninos.
Como identificar o hipotireoidismo?
Os sinais e sintomas do hipotireoidismo podem variar dependendo da idade da criança, da gravidade da deficiência hormonal e do tempo de duração da condição.
Muitas vezes, os sintomas são sutis e podem ser confundidos com outras condições ou com as variações normais do crescimento e desenvolvimento.
Em recém-nascidos e lactentes:
- Icterícia prolongada (pele e olhos amarelados)
- Dificuldade para mamar
- Sonolência excessiva, pouca atividade.
- Choro rouco
- Hérnia umbilical
- Pele fria e seca, cabelos ásperos e quebradiços
- Macroglossia (língua aumentada)
- Atraso no crescimento e no desenvolvimento neuropsicomotor (se não tratado precocemente).
Em crianças maiores e adolescentes:
- Crescimento lento ou abaixo do esperado para a idade.
- Atraso na puberdade (eventualmente puberdade precoce)
- Cansaço, fadiga, falta de energia, sonolência excessiva
- Dificuldade de concentração e aprendizado,baixo rendimento escolar
- Pele seca e pálida, cabelos secos e quebradiços, unhas frágeis
- Sensação de frio constante, intolerância ao frio
- Ganho de peso inexplicável ou dificuldade para perder peso (embora o ganho de peso expressivo seja menos comum do que se pensa)
- Inchaço no rosto e nas pálpebras
- Dores musculares e articulares, cãibras
- Constipação intestinal crônica (intestino preso)
- Voz rouca
- Bócio (aumento do volume da tireoide, visível ou palpável no pescoço)
- Irregularidades menstruais em meninas adolescentes
- Humor deprimido, apatia
É fundamental que pais e cuidadores estejam atentos a esses sinais e procurem avaliação médica caso suspeitem de algum problema.
O diagnóstico do hipotireoidismo é feito com base na história clínica, no exame físico e, principalmente, em exames de sangue que medem os níveis dos hormônios tireoidianos.
- Dosagem de TSH (Hormônio estimulador da tireoide): O TSH é produzido pela hipófise e estimula a tireoide a produzir seus hormônios. No hipotireoidismo primário (quando o problema está na própria tireoide), os níveis de TSH estarão elevados, pois a hipófise tenta compensar a baixa produção hormonal pela tireoide.
- Dosagem de T4 livre (T4L): O T4L mede a quantidade de tiroxina que está livre na corrente sanguínea e disponível para atuar nos tecidos. No hipotireoidismo, os níveis de T4L geralmente estão baixos.
Em recém-nascidos, o diagnóstico do hipotireoidismo congênito é realizado através do teste do pezinho. Se o resultado for alterado, exames confirmatórios são realizados.
No caso de suspeita de Tireoidite de Hashimoto, podem ser solicitados exames para detectar a presença de anticorpos antitireoidianos, como o anticorpo anti-tireoperoxidase (anti-TPO) e o anticorpo anti-tireoglobulina (anti-Tg).
Exames de imagem, como a ultrassonografia da tireoide, podem ser úteis para avaliar o tamanho e a estrutura da glândula, especialmente se houver bócio ou nódulos.
Tratamento do Hipotireoidismo
O tratamento do hipotireoidismo consiste na reposição diária do hormônio tireoidiano que está em falta, que é segura, eficaz e geralmente bem tolerada quando o hormônio é administrado na dose correta.
O objetivo é normalizar os níveis de TSH e T4L, aliviando os sintomas e garantindo o crescimento e desenvolvimento adequados.
O acompanhamento médico regular é essencial para ajustar a dose da medicação conforme a criança cresce e seus níveis hormonais mudam.
São realizados exames de sangue periódicos conforme orientação médica para monitorar a função tireoidiana.
No hipotireoidismo congênito, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível após o diagnóstico, idealmente nas primeiras semanas de vida, para prevenir danos neurológicos permanentes.
Hipertireoidismo na infância e adolescência: quando a tireoide trabalha demais
O hipertireoidismo é uma condição caracterizada pela produção excessiva de hormônios pela glândula tireoide. Esse excesso hormonal acelera o metabolismo do corpo, podendo levar a uma série de manifestações clínicas que afetam o bem-estar físico e emocional da criança ou adolescente.
O hipertireoidismo é menos comum que o hipotireoidismo na infância e adolescência, mas ainda assim representa uma condição endócrina importante nessa faixa etária.
Doença de Graves: A causa mais comum de hipertireoidismo em crianças e adolescentes, respondendo por mais de 90% dos casos, é a Doença de Graves. Trata-se de uma doença autoimune na qual o sistema imunológico produz anticorpos (especificamente o TRAb – anticorpo anti-receptor de TSH) que estimulam continuamente a tireoide a produzir hormônios em excesso.
A Doença de Graves pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais frequente em adolescentes, especialmente do sexo feminino.
A predisposição genética desempenha um papel, e pode haver histórico familiar de doenças autoimunes da tireoide ou outras condições autoimunes.
Outras Causas: Embora raras, outras causas de hipertireoidismo em jovens incluem:
- Nódulos tireoidianos hiperfuncionantes (Doença de Plummer
- Excesso de iodo
- Hipertireoidismo neonatal: Uma forma rara que pode ocorrer em bebês de mães com Doença de Graves ativa, devido à passagem dos anticorpos maternos (TRAb) pela placenta.
Como identificar o hipertireoidismo?
Os sinais e sintomas do hipertireoidismo refletem o estado de metabolismo acelerado do corpo e podem variar em intensidade. Alguns são bastante característicos:
- Perda de peso inexplicável: apesar de aumento do apetite em muitos casos
- Aumento da frequência cardíaca (taquicardia), palpitações
- Nervosismo, ansiedade, irritabilidade, agitação psicomotora
- Tremores finos nas mãos
- Intolerância ao calor, sudorese excessiva
- Fadiga, fraqueza muscular
- Alterações no sono
- Aumento da frequência de evacuações, diarreia
- Bócio: Aumento difuso da glândula tireoide, tornando o pescoço mais volumoso
- Alterações oculares (oftalmopatia de Graves)
- Alterações na pele: Pele quente e úmida
- Alterações no ciclo menstrual em meninas adolescentes
- Dificuldade de concentração, queda no rendimento escolar
- Aceleração do crescimento em altura inicialmente, mas com fechamento precoce das epífises ósseas se não tratado, podendo levar a uma estatura final menor
O diagnóstico do hipertireoidismo também se baseia na história clínica, exame físico e exames laboratoriais:
- Dosagem de TSH: No hipertireoidismo primário (problema na tireoide), os níveis de TSH estarão muito baixos ou indetectáveis, pois a hipófise tenta frear a produção excessiva de hormônios pela tireoide.
- Dosagem de T4 Livre (T4L) e T3 Total ou Livre: Os níveis de T4L e/ou T3 estarão elevados, confirmando a produção excessiva de hormônios tireoidianos.
- Dosagem de TRAb (Anticorpo Anti-Receptor de TSH): A presença deste anticorpo em níveis elevados confirma o diagnóstico de Doença de Graves.
Outros exames podem ser solicitados para complementar a investigação:
- Cintilografia da tireoide
- Ultrassonografia da tireoide com doppler
Tratamento do hipertireoidismo
O tratamento do hipertireoidismo em crianças e adolescentes visa controlar a produção excessiva de hormônios, aliviar os sintomas e prevenir complicações.
Existem três modalidades principais de tratamento:
- Medicamentos antitireoidianos: São a primeira linha de tratamento na maioria dos casos, especialmente em crianças e adolescentes.
- Iodoterapia: Consiste na administração oral de uma dose de iodo radioativo, que é captado seletivamente pela tireoide e destrói as células tireoidianas hiperfuncionantes, reduzindo a produção hormonal. É uma opção de tratamento definitivo, geralmente considerada quando não há remissão com DATs, quando ocorrem efeitos colaterais importantes aos medicamentos, ou por preferência do paciente/família após discussão com o médico.
- Cirurgia (Tireoidectomia): Consiste na remoção cirúrgica da maior parte ou de toda a glândula tireoide. É uma opção de tratamento definitivo, indicada em casos de bócios muito volumosos com sintomas compressivos, suspeita de malignidade, intolerância ou falha das outras terapias, ou preferência do paciente/família.
As disfunções tireoidianas, seja o hipotireoidismo ou o hipertireoidismo, podem ter um impacto significativo na saúde, no crescimento e no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
No entanto, com o conhecimento adequado, a atenção aos sinais de alerta e o acesso a um diagnóstico preciso e tratamento eficaz, é possível manejar essas condições de forma a minimizar suas consequências e permitir que os jovens levem uma vida plena e saudável.
Qualquer suspeita deve ser prontamente investigada por um médico, preferencialmente uma endocrinologista pediátrica.
Referências: Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
Ministério da Saúde do Brasil. Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – Hipotireoidismo Congênito.
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