Você sabia que crianças e adolescentes também podem ter diabetes? Sabia que o tipo mais comum na infância é o diabetes tipo 1? Sabe quando suspeitar de diabetes?
Neste artigo vou falar um pouco mais sobre o diabetes tipo 1, quando suspeitar, qual profissional buscar e como funciona o seu tratamento.
Sumário
O que é diabetes mellitus tipo 1?
Quando suspeitar de diabetes tipo 1?
Entendendo sobre o diagnóstico do diabetes tipo 1
Como é o tratamento do diabetes mellitus tipo 1?
O que é diabetes mellitus tipo 1?
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma condição crônica que surge quando o pâncreas, um órgão vital em nosso sistema digestivo, perde a capacidade de produzir insulina em quantidade suficiente.
A insulina é um hormônio essencial, funcionando como uma chave que permite à glicose (o açúcar proveniente dos alimentos) entrar nas células do nosso corpo para fornecer energia. Sem insulina, a glicose se acumula no sangue, levando a uma série de complicações se não for devidamente controlada.
O DM1 costuma ter sua abertura na infância e adolescência, sendo uma das doenças crônicas mais comuns.
O diagnóstico de DM1 em uma criança pode ser um momento desafiador e assustador para toda a família. De repente, pais e cuidadores se veem diante de uma nova realidade, repleta de termos médicos, medições de glicose, aplicações de insulina e a necessidade de um planejamento alimentar cuidadoso. É natural sentir-se sobrecarregado e com muitas dúvidas.
Compreender o DM1 é o primeiro passo para manejá-lo de forma eficaz e garantir que a criança possa levar uma vida plena, saudável e feliz.
Quem é a Dra Letícia Queiroz?
Sou médica endocrinologista pediátrica atuante no Rio de Janeiro- RJ.
Fiz a faculdade de Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), residência médica em pediatria no Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ e residência médica em endocrinologia pediátrica no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), além de mestrado acadêmico em Medicina com estudo na área de Obesidade Infantil mais uma vez pela UERJ. Acredito que ser também pediatra me dá uma visão e um entendimento mais completos da criança e do adolescente. Busco sempre um atendimento empático e acolhedor, entendendo que cada paciente e cada família são únicos e precisam de um olhar individualizado.
O que os pacientes falam da Dra Letícia Queiroz
Quando suspeitar de diabetes tipo 1?
O reconhecimento precoce dos sinais e sintomas do diabetes tipo 1 em crianças é crucial para um diagnóstico rápido e o início imediato do tratamento, evitando complicações agudas graves, como a cetoacidose diabética.
Muitas vezes, os sintomas podem se desenvolver de forma relativamente rápida, em questão de dias ou semanas, e podem ser confundidos com outras condições comuns na infância.
Os sintomas clássicos do DM1 estão diretamente relacionados ao aumento da glicose no sangue (hiperglicemia) e à incapacidade do corpo de utilizar essa glicose como fonte de energia devido à falta de insulina. Os principais sinais e sintomas são:
- Sede excessiva: A criança pode apresentar uma sede incomum, bebendo grandes quantidades de água ou outros líquidos com frequência, muito mais do que o habitual. Isso ocorre porque o excesso de glicose no sangue “puxa” água dos tecidos, levando à desidratação e, consequentemente, a uma sede intensa.
- Aumento da frequência urinária: Observa-se que a criança começa a urinar com muito mais frequência e em maior volume, inclusive durante a noite, podendo voltar a fazer xixi na cama mesmo que já tendo alcançado controle urinário. Os rins tentam eliminar o excesso de glicose do sangue através da urina, e essa glicose carrega consigo uma grande quantidade de água.
- Fome excessiva ou aumento do apetite: Apesar de ter muita glicose circulando no sangue, as células do corpo não conseguem utilizá-la como energia por falta de insulina. Isso envia um sinal de “fome” ao cérebro, fazendo com que a criança sinta mais fome e coma mais do que o normal, mesmo que tenha se alimentado recentemente.
- Perda de peso inexplicável: Mesmo comendo mais, a criança pode perder peso de forma rápida e sem motivo aparente. Como as células não conseguem usar a glicose para obter energia, o corpo começa a quebrar gorduras e músculos para suprir suas necessidades energéticas, levando ao emagrecimento.
- Cansaço e fraqueza extremos (fadiga): A falta de energia nas células devido à má utilização da glicose resulta em cansaço constante, falta de disposição para brincar ou realizar atividades cotidianas e uma sensação geral de fraqueza.
- Visão embaçada: níveis elevados de glicose no sangue podem afetar os fluidos dos olhos, causando um inchaço temporário do cristalino (a lente do olho), o que pode levar a uma visão turva ou embaçada. Geralmente, esse sintoma melhora com o controle da glicemia.
- Hálito com odor de acetona (hálito cetônico): Quando o corpo começa a quebrar gorduras para obter energia de forma intensa, são produzidas substâncias chamadas corpos cetônicos. O acúmulo desses corpos cetônicos pode levar a um hálito com cheiro adocicado, frutado ou semelhante ao de removedor de esmalte (acetona). Este é um sinal de alerta importante e pode indicar o início de uma complicação grave chamada cetoacidose diabética.
- Irritabilidade e mudanças de humor: As flutuações nos níveis de glicose e a sensação de mal-estar podem fazer com que a criança fique mais irritada, chorosa ou apresente mudanças de humor sem causa aparente.
- Infecções frequentes: Níveis elevados de glicose podem enfraquecer o sistema imunológico, tornando a criança mais suscetível a infecções, como infecções de pele, infecções urinárias ou candidíase (especialmente em meninas adolescentes).
- Dor abdominal, enjoos e vômitos: Em alguns casos, especialmente se a cetoacidose diabética estiver se desenvolvendo, a criança pode apresentar dor na barriga, sentir-se enjoada ou vomitar.
É importante ressaltar que nem todas as crianças apresentarão todos esses sintomas, e a intensidade pode variar.
Se você observar alguns desses sinais em seu filho ou em uma criança sob seus cuidados, especialmente a combinação de sede excessiva, aumento da frequência urinária, fome aumentada e perda de peso, é fundamental procurar um médico pediatra ou um serviço de saúde o mais rápido possível para uma avaliação.
Entendendo sobre o diagnóstico do diabetes tipo 1
Quando uma criança apresenta sinais e sintomas sugestivos de diabetes mellitus tipo 1, como sede excessiva, aumento da frequência urinária, fome exagerada e perda de peso inexplicável, é crucial procurar atendimento médico imediatamente.
O diagnóstico precoce é fundamental para iniciar o tratamento o mais rápido possível e evitar complicações agudas, como a cetoacidose diabética, que podem ser graves.
O diagnóstico do DM1 é geralmente direto e se baseia na avaliação clínica dos sintomas e em exames de sangue que medem os níveis de glicose (açúcar no sangue). Os principais exames utilizados são:
- Glicemia casual (ou aleatória): Este exame mede o nível de glicose no sangue em qualquer momento do dia, independentemente do horário da última refeição. Um valor de glicemia casual igual ou superior a 200 miligramas por decilitro (mg/dL), acompanhado dos sintomas clássicos do diabetes (sede excessiva, aumento da fome, aumento do volume e frequência de urina e perda de peso) é um forte indicativo de diabetes.
- Glicemia de jejum: Para este exame, a criança precisa estar em jejum por cerca de 8 horas. Um valor de glicemia de jejum igual ou superior a 126 mg/dL em duas ocasiões diferentes confirma o diagnóstico de diabetes.
- Teste oral de tolerância à glicose (TOTG): Embora menos utilizado para o diagnóstico inicial de DM1 em crianças sintomáticas (pois os outros exames costumam ser suficientes e mais rápidos), o TOTG pode ser empregado em situações específicas.
- Hemoglobina glicada (HbA1c ou A1C): Este exame de sangue reflete a média dos níveis de glicose no sangue nos últimos 3 meses. Um valor de HbA1c igual ou superior a 6,5% é um dos critérios para o diagnóstico de diabetes. Este exame é útil principalmente para o acompanhamento do controle glicêmico ao longo do tempo.
Após a confirmação do diabetes pela elevação da glicemia, o médico pode solicitar exames adicionais para ajudar a diferenciar o diabetes tipo 1 do diabetes tipo 2 (que, embora mais raro em crianças pequenas, tem aumentado em adolescentes com obesidade) e para confirmar a natureza autoimune do DM1. Esses exames incluem:
- Dosagem de autoanticorpos: O DM1 é uma doença autoimune, o que significa que o sistema imunológico do próprio corpo ataca e destrói as células beta do pâncreas, que são responsáveis pela produção de insulina. A presença de certos autoanticorpos no sangue é um marcador característico do DM1.
- Peptídeo C: O peptídeo C é uma substância liberada pelo pâncreas junto com a insulina, na mesma proporção. Medir os níveis de peptídeo C no sangue pode ajudar a avaliar a quantidade de insulina que o pâncreas ainda está produzindo.
- Exame de urina: Um exame de urina simples também pode ser realizado para detectar a presença de glicose (glicosúria) e corpos cetônicos (cetonúria). Em condições normais, não há glicose na urina.
Ao receber o diagnóstico, é natural que surjam muitas perguntas e preocupações. É fundamental que a família receba todo o suporte e orientação da equipe de saúde. Eles ajudarão a entender a doença e a traçar o melhor plano de tratamento e cuidados para a criança.
Como é o tratamento do diabetes mellitus tipo 1?
O diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 (DM1) em uma criança marca o início de uma jornada de cuidados contínuos, que visa manter os níveis de glicose no sangue dentro da faixa ideal, prevenir complicações agudas e crônicas, e, acima de tudo, garantir que a criança possa crescer, se desenvolver e levar uma vida plena e ativa.
Os pilares fundamentais do tratamento são:
- Insulinoterapia: Como o pâncreas da criança com DM1 não produz insulina (ou produz em quantidade insignificante), a reposição desse hormônio é vital e inegociável. A insulina não pode ser administrada por via oral, pois seria destruída no processo digestivo. Portanto, ela precisa ser injetada.
- Planejamento alimentar e contagem de carboidratos: Uma alimentação saudável e equilibrada é essencial para todos, mas para crianças com DM1, o planejamento das refeições e a contagem da quantidade de carboidratos ingeridos são ferramentas cruciais para o bom controle glicêmico.
- Monitoramento da glicemia: Verificar os níveis de glicose no sangue várias vezes ao dia é indispensável para ajustar as doses de insulina, entender como diferentes alimentos e atividades afetam a glicemia e identificar precocemente episódios de hipoglicemia (glicose baixa) ou hiperglicemia (glicose alta).
- Atividade física regular: O exercício físico traz inúmeros benefícios para crianças com DM1, ajudando no controle da glicose, na saúde cardiovascular e no bem-estar geral, mas requer planejamento e cuidados específicos.
- Educação em diabetes e suporte psicossocial: Tanto a criança (à medida que cresce) quanto a família precisam aprender continuamente sobre o diabetes, suas nuances e como manejar o tratamento no dia a dia. O suporte emocional e psicológico também é vital para lidar com os desafios da condição crônica.
Insulinoterapia: A insulinoterapia é a pedra angular do tratamento do DM1. O objetivo é mimetizar, da melhor forma possível, a maneira como o pâncreas de uma pessoa sem diabetes libera insulina: uma pequena quantidade contínua para manter as funções básicas do corpo (insulina basal) e quantidades maiores após as refeições para cobrir a glicose proveniente dos alimentos (insulina prandial ou bolus).
Existem diversos tipos de insulina disponíveis, classificados de acordo com o seu tempo de início de ação, pico de ação e duração. A endocrinologista pediátrica definirá o tipo e o esquema de insulina mais adequado para cada criança, levando em consideração sua idade, rotina, hábitos alimentares e necessidades individuais.
Monitoramento da glicose: A glicose precisa ser monitorada frequentemente. Pode ser monitorada através da ponta de dedo, utilizando neste caso o aparelho glicosímetro. No entanto, alguns dispositivos permitem um monitoramento contínuo da glicose (CGM).
Os sistemas de CGM são uma tecnologia cada vez mais utilizada e revolucionária no manejo do DM1. Consistem em um pequeno sensor inserido sob a pele que mede a glicose no líquido intersticial (o fluido entre as células) continuamente, a cada poucos minutos. Os dados são transmitidos para um receptor, um smartphone ou diretamente para a bomba de insulina.
Contagem de Carboidratos: A contagem de carboidratos é uma técnica de planejamento alimentar que envolve calcular a quantidade de carboidratos em cada refeição e lanche. Como os carboidratos são os nutrientes que mais impactam os níveis de glicose no sangue após a alimentação, saber a quantidade ingerida permite ajustar a dose de insulina de ação rápida (bolus prandial) de forma mais precisa.
A contagem de carboidratos oferece maior flexibilidade alimentar e ajuda a melhorar o controle glicêmico, mas requer aprendizado, prática e acompanhamento regular com a equipe de saúde. Não se trata de restringir alimentos, mas de planejar e ajustar a insulina de acordo com o que a criança come.
Acompanhamento multidisciplinar: O manejo do diabetes mellitus tipo 1 (DM1) na infância vai muito além da aplicação de insulina e da contagem de carboidratos, sendo fundamental contar com o suporte de uma equipe multidisciplinar.
Essa equipe é composta idealmente de uma endocrinologista pediátrica, uma nutricionista, uma psicóloga, um educador físico e um enfermeiro educador em diabetes trabalhando em conjunto, oferecendo diferentes expertises que se complementam.
Apoio escolar: A escola é um ambiente fundamental na vida da criança, e é essencial que ela se sinta segura e acolhida, mesmo tendo DM1. A comunicação entre a família, a equipe de saúde e a escola é crucial.
A família desempenha um papel central nessa jornada. O amor, a paciência, o apoio e o incentivo dos pais e cuidadores são fundamentais para que a criança desenvolva confiança em si mesma e habilidades para o autocuidado.
Se seu filho(a) tem diabetes tipo 1, conte comigo para fazer parte deste cuidado tão importante.
Referências: Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)
International Diabetes Federation (IDF).
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