Crianças e adolescentes também podem apresentar alterações de colesterol e triglicerídeos e existem momentos específicos para que essas condições sejam investigadas na infância e adolescência.
Sumário
Entendendo mais sobre colesterol e triglicerídeos
Quando devemos dosar os níveis dessas gorduras em crianças e adolescentes?
Quais são, então, os principais fatores de risco para dislipidemia na infância e
adolescência?
Diagnóstico da dislipidemia
Tratamento da dislipidemia em crianças e adolescentes
Quem é a Dra Letícia Queiroz?
Sou médica endocrinologista pediátrica atuante no Rio de Janeiro- RJ.
Fiz a faculdade de Medicina na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), residência médica em pediatria no Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ e residência médica em endocrinologia pediátrica no Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), além de mestrado acadêmico em Medicina com estudo na área de Obesidade Infantil mais uma vez pela UERJ. Acredito que ser também pediatra me dá uma visão e um entendimento mais completos da criança e do adolescente. Busco sempre um atendimento empático e acolhedor, entendendo que cada paciente e cada família são únicos e precisam de um olhar individualizado.
O que os pacientes falam da Dra Letícia Queiroz
Entendendo mais sobre colesterol e triglicerídeos
O colesterol é a matéria-prima para a produção de hormônios importantes, como os sexuais (estrógeno e testosterona) e os hormônios da glândula adrenal, além de ser fundamental para a síntese da vitamina D e dos ácidos biliares, que ajudam na digestão das gorduras que ingerimos.
É comum ouvirmos falar em “colesterol bom” e “colesterol ruim”. O “colesterol bom” é o HDL. Ele funciona como um faxineiro, removendo o excesso de colesterol das artérias e levando-o de volta para o fígado, onde pode ser processado e eliminado. Por isso, níveis mais altos de HDL são geralmente considerados protetores para o coração.
Já o “colesterol ruim” é o LDL. Quando em excesso, o LDL pode se depositar nas paredes das artérias, formando placas que, com o tempo, podem endurecer e estreitar esses vasos. Esse processo é conhecido como aterosclerose e é a principal causa de infartos e derrames na vida adulta.
Os triglicerídeos, por sua vez, são a forma mais comum de gordura no corpo e servem como uma importante reserva de energia. Quando comemos mais calorias do que gastamos, especialmente de carboidratos e gorduras, o corpo converte esse excesso em triglicerídeos, que são armazenados nas células de gordura. Níveis elevados de triglicerídeos também estão associados a um maior risco de doenças cardíacas e podem, em casos extremos, causar pancreatite, uma inflamação grave do pâncreas.
Quando devemos dosar os níveis dessas gorduras em crianças e adolescentes?
A recomendação atual da Sociedade Brasileira de Pediatria é que todas as crianças façam uma primeira dosagem de colesterol entre 9 e 11 anos de idade. Essa triagem universal é importante porque algumas crianças podem ter dislipidemia mesmo sem apresentar fatores de risco óbvios.
Uma segunda avaliação universal é recomendada entre 17 e 21 anos.
No entanto, se a criança ou adolescente apresentar fatores de risco específicos, como histórico familiar de colesterol alto ou doenças cardíacas precoces (antes dos 55 anos em homens e 65 anos em mulheres), obesidade, diabetes, ou outras condições médicas, a investigação pode e deve ser feita mais cedo, a partir dos 2 anos de idade, conforme orientação médica.
Quais são, então, os principais fatores de risco para dislipidemia na infância e adolescência?
O histórico familiar é um dos mais importantes. Algumas formas de dislipidemia são fortemente influenciadas pela genética, como a hipercolesterolemia familiar, uma condição em que os níveis de LDL colesterol são muito elevados desde o nascimento.
Além da genética, o estilo de vida desempenha um papel crucial. Crianças com sobrepeso ou obesidade têm um risco significativamente maior de desenvolver dislipidemia.
O sedentarismo, ou seja, a falta de atividade física regular, também contribui para o desequilíbrio dos lipídios.
A dieta é outro pilar fundamental: um consumo excessivo de alimentos ricos em gorduras saturadas (presentes em carnes gordurosas, laticínios integrais, alguns óleos vegetais como o de coco e palma), gorduras trans (encontradas em muitos alimentos industrializados, como biscoitos recheados, salgadinhos e margarinas), e açúcares simples pode levar ao aumento do LDL e dos triglicerídeos, e à redução do HDL.
Além disso, certas condições médicas, como diabetes mellitus (tipo 1 e tipo 2), hipotireoidismo (baixa produção de hormônios da tireoide), síndrome nefrótica (uma doença renal), e o uso de alguns medicamentos (como corticoides e certos antirretrovirais) também podem causar alterações nos níveis de lipídios.
Diagnóstico da dislipidemia
Uma vez que se suspeita da possibilidade de dislipidemia, seja pelo rastreio universal na idade recomendada ou pela presença de fatores de risco, o próximo passo é realizar o diagnóstico.
Este é feito de maneira relativamente simples, através de um exame de sangue chamado perfil lipídico.
O perfil lipídico irá medir as concentrações das principais gorduras no sangue: colesterol total, o colesterol HDL (o “bom” colesterol), o colesterol LDL (o “mau” colesterol) e os triglicerídeos.
Os valores de referência para o colesterol e triglicerídeos em crianças e adolescentes são diferentes daqueles utilizados para adultos. As diretrizes pediátricas geralmente classificam os níveis lipídicos em desejáveis, limítrofes ou aumentados.
Por exemplo, para crianças e adolescentes de 2 a 19 anos, um colesterol total abaixo de 170 mg/dL é considerado desejável, entre 170 e 199 mg/dL é limítrofe, e igual ou acima de 200 mg/dL é considerado aumentado.
Para o LDL colesterol, valores abaixo de 110 mg/dL são desejáveis, entre 110 e 129 mg/dL são limítrofes, e igual ou acima de 130 mg/dL são aumentados.
Já para o HDL colesterol, valores acima de 45 mg/dL são considerados desejáveis, sendo que níveis mais baixos podem indicar um risco aumentado.
Os triglicerídeos, por sua vez, têm valores de referência que variam um pouco com a idade e o jejum, mas, de forma geral, para crianças até 9 anos, níveis abaixo de 75 mg/dL em jejum são desejáveis, e para adolescentes de 10 a 19 anos, abaixo de 90 mg/dL em jejum.
É fundamental que a interpretação desses resultados seja feita pelo médico, que levará em consideração a idade da criança, seu histórico de saúde, histórico familiar e outros fatores de risco.
Dada a variabilidade biológica e a possibilidade de alterações transitórias, é uma prática comum e recomendada que, caso o primeiro exame mostre alguma alteração significativa, ele seja repetido em algumas semanas ou meses para confirmação do diagnóstico de dislipidemia.
Isso ajuda a evitar diagnósticos baseados em uma única medida que pode não refletir o estado habitual do metabolismo lipídico da criança.
A avaliação de outros fatores de risco cardiovascular, como a medida da pressão arterial e a avaliação do estado nutricional (peso, altura, índice de massa corporal e circunferência abdominal), também faz parte da investigação inicial.
Em casos específicos, especialmente quando há histórico familiar muito forte de doença cardiovascular prematura ou dislipidemias graves, o médico pode considerar a investigação de formas genéticas de dislipidemia, como a hipercolesterolemia familiar, que pode requerer exames genéticos ou a dosagem de outras lipoproteínas.
A decisão sobre quais exames adicionais são necessários será sempre individualizada, baseada no quadro clínico de cada paciente.
Tratamento da dislipidemia em crianças e adolescentes
Uma vez confirmado o diagnóstico de dislipidemia, a boa notícia é que existem diversas estratégias de tratamento eficazes, especialmente quando iniciadas precocemente.
O objetivo principal do tratamento em crianças e adolescentes não é apenas normalizar os níveis de gordura no sangue, mas também, e fundamentalmente, reduzir o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares na vida adulta e promover hábitos de vida saudáveis que perdurem.
Na grande maioria dos casos, a primeira e mais importante abordagem terapêutica não envolve medicamentos, mas sim mudanças significativas e sustentáveis no estilo de vida.
- Alimentação saudável e equilibrada: A primeira grande meta é reduzir drasticamente o consumo de gorduras saturadas e, principalmente, das gorduras trans.
As gorduras saturadas são encontradas em abundância em carnes vermelhas gordurosas, pele de aves, embutidos (como salsicha, linguiça, presunto), laticínios integrais (leite integral, manteiga, queijos amarelos) e em alguns óleos vegetais como o de coco e o de palma, frequentemente utilizados em produtos industrializados.
Já as gorduras trans, consideradas as piores para a saúde do coração, estão presentes em muitos alimentos processados, como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, margarinas hidrogenadas, sorvetes cremosos e alimentos de fast-food.
Em contrapartida, devemos incentivar o consumo de gorduras insaturadas, encontradas no azeite de oliva extra virgem, abacate, castanhas, nozes e peixes ricos em ômega-3, como salmão, sardinha e atum.
Outro ponto fundamental é aumentar o consumo de fibras, presentes em abundância nas frutas, verduras, legumes e grãos integrais (como aveia, arroz integral, pão integral).
As fibras ajudam a reduzir a absorção do colesterol no intestino e promovem a saciedade, auxiliando no controle do peso. A escolha de laticínios deve priorizar as versões desnatadas ou semidesnatadas.
O consumo de açúcares adicionados e de alimentos ultraprocessados deve ser fortemente limitado. Estes alimentos, além de pobres em nutrientes, são frequentemente ricos em calorias, gorduras ruins e sódio.
Exemplos práticos incluem trocar o salgadinho da lancheira por uma fruta, substituir o refrigerante por água saborizada com frutas, e preferir um prato colorido com vegetais e legumes a uma refeição baseada em frituras e processados.
- Atividade física regular: O corpo humano foi feito para se movimentar! O sedentarismo é um dos grandes vilões da saúde moderna e um importante fator de risco para a dislipidemia.
A prática regular de atividade física ajuda a aumentar os níveis do HDL (o “bom” colesterol), a reduzir os triglicerídeos e o LDL (o “mau”colesterol), além de contribuir para o controle do peso, melhorar a sensibilidade à insulina (prevenindo o diabetes tipo 2), fortalecer ossos e músculos, e promover o bem-estar mental.
As recomendações atuais para crianças e adolescentes são de, no mínimo, 60 minutos de atividade física moderada a vigorosa na maioria dos dias da semana.
Atividades lúdicas como correr, pular, andar de bicicleta, dançar, jogar bola, ou simplesmente brincar ao ar livre já trazem enormes benefícios. O importante é que a atividade seja prazerosa para que se torne um hábito.
Limitar o tempo de tela (televisão, videogame, celular, tablet) também é crucial, pois ele está diretamente associado ao sedentarismo e a hábitos alimentares inadequados.
- Controle de peso: Como mencionado, o sobrepeso e a obesidade estão fortemente ligados à dislipidemia.
Se a criança ou adolescente estiver acima do peso ideal, a perda gradual e sustentável de peso, ou mesmo a manutenção do peso enquanto a criança cresce em estatura, pode ter um impacto muito positivo nos níveis de lipídios.
- Tratamento farmacológico: Em algumas situações específicas, o tratamento medicamentoso pode ser necessário.
A decisão de iniciar a terapia farmacológica é sempre individualizada e deve ser tomada pelo endocrinologista pediátrico, após uma avaliação cuidadosa.
O tratamento medicamentoso é geralmente considerado quando: as mudanças no estilo de vida, implementadas de forma intensiva por pelo menos 6 a 12 meses, não foram suficientes para atingir as metas lipídicas, especialmente se os níveis de LDL colesterol permanecerem muito elevados (geralmente acima de 190 mg/dL, ou acima de 160 mg/ dL se houver outros fatores de risco importantes, como histórico familiar forte de doença cardiovascular precoce, diabetes, ou hipertensão arterial).
É fundamental que os pais e o paciente compreendam que o uso de medicamentos não substitui a necessidade de manter um estilo de vida saudável.
Além das orientações específicas já discutidas, algumas dicas práticas podem facilitar a incorporação de uma alimentação mais saudável na rotina familiar.
O planejamento das refeições semanais ajuda a evitar escolhas impulsivas e menos saudáveis de última hora.
Dedique um tempo para pensar no cardápio e fazer uma lista de compras focada em alimentos frescos e naturais. A leitura atenta dos rótulos dos alimentos industrializados é fundamental para identificar a quantidade de gorduras saturadas, trans, açúcares e sódio.
Priorize produtos com listas de ingredientes curtas e compreensíveis. Cozinhar em casa com mais frequência permite um controle maior sobre os ingredientes utilizados e é uma excelente oportunidade para envolver as crianças no preparo dos alimentos, despertando o interesse por novos sabores e texturas.
Tornar as refeições momentos agradáveis, em família, sem distrações como televisão ou celulares, também contribui para uma melhor digestão e para a construção de uma relação positiva com a comida.
Se o pediatra do seu filho (a) já identificou que o colesterol dele está aumentado ou você identifica que há fatores de risco para dislipidemia, posso ajudar nesta avaliação e tratamento.
Referências: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dislipidemia: prevenção de eventos cardiovasculares e pancreatite. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2022. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Departamento Científico de Endocrinologia. Dislipidemias na infância e adolescência. Documento Científico, 2019.
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